James Derulo's

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O novo mestre do pesadelo cinematográfico

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Quando assisti ao Império dos Sonhos (Inland Empire) de David Lynch saí do cinema com a nítida impressão de que acabara de ver a melhor transcrição cinematográfica de um pesadelo cabeludo. Hoje, o Anticristo de Lars Von Trier superou o pesadelo de Lynch. Enquanto no Império dos Sonhos se tem o consolo de que sim, isso é um sonho, em Antichrist o pesadelo é real.
Os elementos (forma e conteúdo) contribuem significativamente para que a trama fique ainda mais assustadora: o tom cinza fúnebre dos dias, a escuridão dos ambientes durante as bizarras sessões de terapia/hipnose impostas pelo marido terapeuta (Willem Dafoe) que tenta ajudar a esposa (Charlotte Gainsbourg) mais do que inconformada com a morte do filho, a perversão sugerida pela vida sexual intensa do casal, as imagens deformadas com efeitos de lente, às vezes a trilha, outras vezes a falta dela... O desespero. Esse sim me parece o "ingrediente" mais presente. O desespero como sentimento primário e desprovido de toda e qualquer racionalidade. Pra temperar, um terapeuta que, ironicamente e como ninguém outro, adiciona uma dose cavalar de insanidade e terror ao aplicar sua técnica de cura pelo enfrentamento do medo. Melhor, ele leva a esposa pra encarar o lugar onde mora seu maior temor: um chalé na floresta chamado por ela de Jardim do Éden. Lá ela passou o último verão com seu recém falecido filho.




Então começa um pesadelo recheado de elementos simbólicos que, se analisados, poderiam render longos estudos sobre a natureza humana. Pinhas de carvalho que caem constantemente sobre o telhado da casa, visões de filhotes de animais mortos, uma mulher completamente fora de controle capaz de atos de violência inimagináveis contra ela própria (incluindo mutilar o próprio clictóris) e contra o marido. [Se tivesse mais alguma pessoa lá, com certeza sofreria com a fúria da mãe out of control]. Segundo definição do próprio Lars, Antichrist é um genuíno "psychological thriller/horror movie". Eu concordo. Sem mais delongas, era isso.




Trier mantém seu estilo e divide a história em quatro capítulos: Luto, Dor (o caos reina), Desespero (gynocide) e Os 3 mendigos. Somam-se a eles um prólogo e um epílogo que são pérolas da direção de arte e fotografia. [A foto abaixo deixa um gostinho]




Na minha opinião (já deixei essa parte para o fim pois assim, quem não quiser saber o que eu acho, pode parar por aqui), mesmo sendo o mais chocante, esse é o filme menos instigante entre outros (não todos, quem dera) que vi do diretor dinamarquês. Ele me soa menos humano, talvez por retratar uma realidade distante de pessoas como eu (será?) e, causando menos identificação, cativou menos a minha empatia. Mas, como em Dogville, a história se encarrega de vingar o expectador. Essa eu deixo por conta da imaginação de vocês. Do contrário, contarei o fim do filme [rs].
Enfim, assistam. Assim dá pra incrementar a pauta de conversas cult decadentes e, é claro,  se encher de propriedade para falar muito bem, ou muito mal do "bendito" Anticristo.



Curiosidade
# Anticristo recebeu em Cannes um prêmio especial do júri ecumênico. O júri, que normalmente concede um "troféu" para filmes que promovem valores espirituais e humanistas, decidiu premiar este filme com um anti-prêmio por sua posição misógina. Tá, clareando: "algumas teóricas feministas pensam que a sociedade patriarcal é construída nesse movimento de expurgar o que é feminino, e de expurgar as mulheres, torná-las alheias, abjetas. A misoginia é por vezes confundida com o machismo, mas enquanto que a primeira se baseia no ódio, o segundo fundamenta-se numa crença na inferioridade da mulher."
# Essa provavelmente nem seja novidade. Mesmo com o bafafá que o filme causou em Cannes graças à "violência" das cenas, Charlotte Gainsbourg levou pra casa o prêmio de melhor atriz. Merecido. Eu só fico imaginando o climão que devia rolar no set de filmagem. Medo. 
# Essa também. Lars Von Trier estava tratando uma rica depressão durante as filmagens. Disse que o trabalho ajudou ele a sair da fossa. Impressionante.

1 comentários:

vcheregati disse...

Opa, bom post Jaque!

Mêêêdo dessa história que o cara saiu da fossa fazendo um filme desse!

Mas olha, esse Lars von Trier é, desde sempre, um cara bem marqueteiro. E acho que esse exagero de cenas 'chocantes' faz parte do showzinho da vez.

Ele é um ótimo cineasta, e é bem competente também em lançar essas polêmicas pra se promover.

Como marqueteiro, polêmico, ele me lembra um pouco o Michael Haneke.

E como um bom nórdico e depressivo, ele segue a tradição de filmar dramas psicológicos carregadíssimos, coisa que o Bergman fazia muito bem.

Mas eu ainda acho 'Ondas do Destino' e 'Dançando no Escuro' melhores que esse 'Anticristo'.